outras tantas madrugadas

terça-feira, novembro 01, 2005

para ti

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"The Mission", Ennio Morricone

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Somos plantadores de árvores.
Nascemos já com esta capacidade extraordinária, com esta sabedoria imensa para plantar e fazer crescer. E cedo percebemos que temos também toda a liberdade para a usar (ou não…) quando e como quisermos.
Plantamos a nossa primeira árvore quase por instinto, como um primeiro grito e, com o passar do tempo, vamos plantando mais algumas, muitas ou poucas conforme o jeito e o empenho de cada um nesta botânica da vida.
As árvores que plantamos têm nomes, formas, tamanhos, cores, funções e exigências tão diferentes como os dias que vivemos, mas todas, sem excepção, crescem ou morrem na medida do cuidado que tivermos com elas. (As árvores que não plantamos são apenas buracos, eternamente abertos na terra fértil, à espera de uma semente que vimos germinar e ignorámos, por preguiça ou por medo)
Assim, a nossa vida é como um trilho na floresta. Mais do que das marcas dos nossos pés, é feita das árvores que vamos plantando ao longo do caminho, em cada curva, a assinalar a escolha feita em cada encruzilhada… São elas que o tornam único e nos lembram que não fomos feitos para caminhar no deserto. (Os buracos, nem era preciso dizê-lo, são um perigo para quem caminha…)
Somos plantadores e não apenas semeadores.
Quem semeia, raramente percebe o dom que a semente encerra, raramente sabe se o solo que escolheu é o indicado, raramente espera mais de si do que do acaso. Por isso deita várias sementes à terra, em vez de uma só; e sabe que se não o fizer hoje pode guardá-las por muito tempo - as sementes, enquanto sementes, não vivem nem morrem.
Para plantar, pelo contrário, é preciso pegar na vida ao colo e olhar para ela antes de a pôr na terra. Plantar é um gesto único, individual e urgente, que exige de nós muito mais trabalho (de braços, de cabeça, de coração…) e que, ao mesmo tempo, nos desafia e compromete. Para que possamos plantar, alguém, infinitamente mais sábio e mais generoso, semeou e fez germinar aquilo que de outra forma lançaríamos à terra de olhos fechados, juntamente com tantas outras coisas; alguém que conhece bem cada semente, cada solo e cada um de nós e se enterneceu ao ver como tudo fazia sentido e podia ser tão bonito; alguém tão profundamente apaixonado pela nossa vida e pelas nossas árvores que tem sempre o cuidado de, a cada momento, só fazer germinar as sementes de que podemos cuidar. E quando assim é, o germinar de uma semente é o acender de um milagre, que escapa às nossas mãos e ao nosso entendimento mas que se apaga sempre que, com as nossas mãos e o nosso entendimento, não ousamos plantá-la e fazê-la crescer.
Por isso, de cada vez que recebemos o dom de uma semente germinada, vale a pena arregaçar as mangas e sujar as mãos para a aconchegar à terra. Vale a pena regá-la, cuidá-la e pedir a Deus que a aqueça, que a ilumine e que a abençoe. Vale a pena acreditar que dará flor, fruto e o mais que tiver que dar… E um dia, à sua sombra, valerá a pena dançar com os amigos e celebrar a vida!
(16.09.2003)
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Aqui tens de novo as palavras que te ofereci juntamente com a árvore que plantámos. Obrigada por mas lembrares.
Hoje, quando por um instante o sorriso do teu olhar atravessou a igreja para poisar no meu, senti-me invadir por uma paz e uma alegria imensas. Dois anos depois, nada podia fazer mais sentido. A tua vida, a tua entrega, a tua verdade… estava tudo ali, nos teus olhos e nas mãos de Deus. Comovi-me ao imaginar como será acreditar assim e ao perceber que a amizade pode ser o maior de todos os exercícios de liberdade.
As metáforas valem o que valem. Mas a árvore lá está.
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