outras tantas madrugadas

segunda-feira, março 24, 2008

belle époque

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Estar longe de ti não é menos perigoso. Não consigo respeitar o perímetro de segurança das palavras. E depois dá nisto: eu, que por um amor assim estava decidida a levantar todos os meus certificados de aforro com mais de 20 anos, encontro-te de casaco vestido atrás do balcão dos CTT:
– Mas tem medo de quê?... Que tenha prazo? Que vença juros? Olhe… leve antes um envelope almofadado, para não perder a viagem!
­– De qualquer modo, por precaução, acho que gostava de deixar um sinal – disse eu, espreitando a caderneta. – Mas olhe, a verdade é que nem estou a conseguir ver o saldo que tenho…
Pois, menina, nessa caderneta vai ser difícil... ainda para mais com os cromos todos por colar! – E capturaste no ar a minha mão preocupada, fazendo-me chegar mais perto, enquanto te inclinavas também sobre o balcão para me sussurar ao ouvido: – Compram-se em pacotinhos, naquele quiosque ao pé do Santa Cruz. Escusa de levar a carteira porque só aceitam notas de rodapé, de música ou de Monopólio…
Hoje, três dias volvidos, é apenas a cabana que me preocupa. Esta cabana de tipologia T2, indexada à Euribor a três meses. Tudo porque não consigo respeitar o perímetro de segurança das palavras. Tudo porque as taxas de juro não param de subir e tem-me sido quase impossível trabalhar assim, com o coração sempre a fugir-me para o alto dos telhados e os olhos a encherem-se de lágrimas.
(Esta tarde, depois de lanchar na Marques, desço só mais uns metros e volto à estação dos CTT apenas para te pedir que, se puderes, não morras já.)